
O Normal já foi o meu inimigo, já foi a minha muleta, já foi a minha vida toda… e, finalmente, está a ser depositado no local onde sempre pertenceu: no lixo.
Geralmente, quando perguntamos a alguém se as pessoas têm a liberdade para ser quem são, a resposta é sim. Afinal de contas, vivemos em Democracia, certo? Afirmar o contrário, seria uma ignomínia. Todos somos livres e todos podemos procurar os nossos sonhos, pois estes podem realizar-se… pelo menos, no contexto de filmes e discursos motivacionais. Mas, no “mundo real”, esta suposta liberdade é espezinhada como se fosse um segredo mal contado que todos professam, mas em que poucos realmente acreditam. Gritamos “liberdade”, mas no momento em que os nossos filhos começam a desviar-se do caminho que achamos ser o apropriado, cai o Carmo e a Trindade. E quem diz filhos, diz netos, diz sobrinhos e até os rebentos de amigos chegados.
E, tudo aquilo que em jovens odiávamos nos familiares mais velhos, empregna-se na nossa pele nesses momentos e tornamo-nos naqueles aos quais um dia revirámos os olhos. Repare-se que o que repudiávamos não eram propriamente as pessoas, mas sim a sua falta de visão e de aventura, porque em crianças e em jovens ainda temos um contacto próximo com a Verdade do Universo, contacto esse que se vai desfiando e desfiando à medida que nos vamos rendendo à Verdade humana e do que deve ser.
O Normal é-nos imposto, pura e simplesmente. Com muito boas intenções, diga-se, excelentes intenções até. Intenções de que os jovens cresçam e se tornem adultos responsáveis, com uma situação financeira estável e que constituam eles próprios família e continuem a tradição que nos deram os nossos pais. Contudo, embrenhados no meio deste ensinamento bestial de como viver em sociedade esquecemo-nos do que é mais importante: a pessoa em si. A diversidade não é algo a ser temido ou oprimido, é algo a ser celebrado. Mas celebrado plenamente, não apenas quando se encaixa nos nossos planos e vilipendiado quando nos é inconveniente. Celebrado, aceite e até expectável.
É normal querermos que os nossos filhos estejam seguros, é normal querermos que encontrem o seu rumo cedo para que não dêem muitas cabeçadas e é normal querermos vê-los bem integrados. Só que no meio de toda esta normalidade, deixamos de ter espaço para o que de mais real temos em nós: a nossa Alma. E a Alma quer aprender através de experiências, através de cair e levantar, através de arriscar e sentir a vida pulsar dentro das nossas veias.
A normalidade que se instalou é uma falácia de felicidade, é uma promessa de plenitude que nunca se realiza, mas que nos mantém nesta busca incessante em que sacrificamos o que somos em prol de agradar aos outros, sentirmo-nos reconhecidos, no fundo, sentirmos-nos “membros activos e bem integrados da sociedade”. E neste encaixe perfeito, sofremos em solidão e em silêncio.
Quando trabalhei com a minha mãe no nosso centro de terapias, o principal comentário que escorria dos muitos lábios que por lá passaram e para lá telefonaram, era: “tenho tudo para ser feliz. Tenho um emprego estável, que paga bem, tenho uma família saudável, tenho uma casa bonita. Não há razões para me sentir assim”. E este desabafo sincero vinha ainda carregado de culpa por não sentir a felicidade que deveria sentir, já que tantas outras pessoas vivem situações piores e essas sim, têm razão de queixa.
O nosso coração não faz comparações, não elabora sobre os “porquês”, apenas sente. E se sente solidão e dor, não dá importância ao país em que vivemos, à nossa beleza externa nem ao sucesso da nossa conta bancária. Sente apenas. Por isso, da próxima vez que se criticar a si próprio ou a outro por não sentir aquilo que “deve”, lembre-se que esse sentir é mais real do que qualquer elaboração que a sua Mente poderá fazer acerca da realidade.
Não digo para empacotar as malas e partir rumo a um Ashram, (se bem que se for esse o seu chamamento, vá em frente), e se ainda assim sente que não consegue romper com a herança de normalidade com que cresceu e foi educado, faça aquilo que sente ser o mais certo para si neste momento, mas reserve um cantinho dentro de si que acalente a possibilidade de uma vida que se coadune mais com a sua verdadeira natureza, pois essa pode ser uma semente brilhante para um futuro possível.
Porque, por mais que nos convençamos que temos tudo para sermos felizes, se não o somos, é porque a nossa Alma nos está a enviar uma mensagem em letras garrafais e luzes néon que podemos escolher ignorar ou ouvir, pois somos livres de ir por um caminho ou por outro.
E é aqui que reside a verdadeira liberdade.